Quando ouço alguém dizendo algo do tipo
"Argh!, agora toda novela da Globo vai ter relacionamento gay..." recebo
a informação com um tal estranhamento que, a título de teste, faço questão de,
intimamente, trocar a palavra "gay" por, por exemplo,
"negro". Tal recurso, devo dizer, só me leva a uma conclusão: sim,
toda novela da Globo e de qualquer outra emissora deve abordar relacionamentos
homoafetivos. É tema obrigatório, tal como o é o racismo ainda presente, a
pobreza, a deficiência, a terceira idade e afins.
São temas obrigatórios por se tratar de
esferas sociais nas quais se fazem presentes minorias que nem de longe o são em
termos numéricos. Gays, pessoas com deficiência, negros etc. devem, sim, estar
presentes nas tramas tal como estão em nossa vida, em nosso dia a dia, em nosso
local de trabalho, em nossa família etc.
Por mais divertido que seja assistir às
telenovelas, não podemos negar que, quando nos colocamos diante da tevê, o que
nos é apresentado ali é um mundo irreal. Um mundo com uma grande maioria de
pele branca, circulando pela rua, pela universidade e pelos demais núcleos da
trama. No tocante às pessoas com deficiência nem se fala! Elas raramente
existem. E, assim, nos é apresentado na telinha um mundo à parte, um mundo fora
do mundo. Um mundo de pessoas branquinhas (com empregados negros,
naturalmente), perfeitas e casais heterossexuais em sua maioria. Histórias
mirabolantes, grandes reencontros e terríveis mistérios, mas poucos vivendo
conflitos reais.
Essas pessoas precisam estar presentes
na trama, e nem se faz necessário que se crie polêmica em torno delas. Basta
que estejam lá, tal como estão em nossa lida diária. Elas precisam estar ali
porque fazem o mundo acontecer e, principalmente, porque também recebem a
programação televisiva goela abaixo diariamente, de modo que merecem, no mínimo,
serem retratadas na ficção, uma vez que esta se pretende narrativa baseada na
vida real.
Eu espero, sim, que, a partir dos
recentes avanços, a questão da homossexualidade siga sendo amplamente abordada
nas tramas, com muitos beijos gays, mas também com a infinidade de aspectos da
homossexualidade ainda por serem levados à telinha. No âmbito da
teledramaturgia global estamos diante de uma grande mudança de tempo:
abandona-se o estratégico enaltecimento das minorias, onde se perpetuava, por
exemplo, o estereótipo do gay bonzinho e inteligente, para abraçar o cara da
vida real, que trai a esposa com jovens rapazes; que mantém um casamento de
aparências com o intuito de esconder a sua verdadeira identidade sexual; que,
além de amar, também sente puro e simples desejo; que desestabiliza a relação
com o parceiro por se aventurar na cama da melhor amiga do mesmo.
Enfim, adentramos um tempo em que a
teledramaturgia, embora muito de qualidade tenha perdido ao longo dos anos,
está mais aberta a mostrar esses atores sociais e suas histórias, às vezes
bonitas, às vezes não. A diversidade e inconstância da vida real com os seus
tons ficcionais.
É tempo de a teledramaturgia tirar essas
pessoas dos seus armários, pois, na vida real, faz tempo que elas saíram de
lá...