“Ninguém gosta de pensar na
morte, o que vem a ser uma ironia e uma incoerência, visto que sua certeza é
uma das poucas verdades que todo ser humano irá encontrar num breve piscar de
olhos. Ela é implacável, como dizem, inflexível, rigorosa e surpreendente.
Reduz-nos a um conto ligeiro, na maioria das vezes esquecido pela posteridade.”
(pág. 17)
É verdade, mais do que comprovada, a minha
paixão pela literatura, bem como também é verdadeiro o meu excêntrico fascínio
por cemitérios. Fascínio esse despertado pelas visitas guiadas ao Cemitério do
Bonfim, como é popularmente conhecido. Eu nunca, porém, cogitara a
possibilidade de, um dia, esbarrar em uma obra que aliasse essas duas paixões,
até conhecer O Filho do Coveiro, obra
do mineiro Marcos Mota.
Com a metáfora do jovem que, habitando uma
cafua no terreno de uma Catedral, busca superar-se e viver a inigualável
experiência do amor e da ascensão social, O
Filho do Coveiro nos conduz à reflexão de que é possível estar vivo mesmo
que entre os mortos. Mesmo que sejamos produtos do meio, somos dotados do
livre-arbítrio que nos possibilita assumir tons distintos dos quais nos cercam.
E, estendendo tal reflexão ao contexto contemporâneo, mesmo em meio às
superficiais relações virtuais, à pressa, às disputas, ao rápido acesso à
informação, a indivíduos que se esbarram e não se vêem e aos arranha-céus de
uma cidade cinzenta, é possível usufruir da oportunidade única que é a vida.
Como bem disse o autor em sua gentil
dedicatória, O Filho do Coveiro é uma
história de preconceito e superação, sendo o ponto alto da obra o fato de que a
transformação vivida e dirigida pelo introspectivo Edgar Pomer se dá justamente
por via dos elementos do mundo que outrora o aprisionava, como um breve
versículo bíblico. Com exceção da delicada Elizabete, não há salvação que venha
do mundo externo, o que resulta em uma bela lição para o leitor.
E não é por acaso que Marcos Mota batiza o
seu protagonista de Edgar Pomer, cujo sobrenome é exaustivamente confundido
pela sua amada por “Poer”, “Poe” e afins. O sutil e delicioso diálogo com a
obra de Edgar Allan Poe cria o cenário perfeito para que possamos mensurar as
proporções da trajetória feita pelo jovem personagem: do vazio à riqueza de
sentimentos, da ausência de perspectivas à realização e concretização de
planos, da resignação a uma herança sombria à conquista da alteridade, da
devastadora solidão ao encontro de si e do outro. O cerne da obra de Marcos
Mota é justamente a decisiva escolha de seu personagem por não se curvar ao
destino quase que hereditário que é a amarga experiência de viver passada do
pai para o filho. Transgressor, o jovem se rebela ao que a vida lhe impunha
como intransponível barreira, tratando-se aqui de uma transformação que só foi
possível no e pelo amor, que, na literatura e na vida, segue revelando o seu poder
de resgate.
Só quem é ou já foi vítima de preconceito –
sucumbindo à repulsa social e, sobretudo, à negativa concepção de si mesmo; isolando-se
no silêncio abismal de sepulturas invisíveis, da perda e da exclusão, aqui
metaforizados pelo peculiar Cemitério São Cristóvão – compreende a força de sua
narrativa.
O texto é delicioso, e sua linguagem é dotada
de uma pureza que, se bem aplicada – tal como ocorre na obra em questão –, cai muito
bem em literatura. Vale ressaltar, porém, que essa sofisticação na narrativa é
surpreendentemente bem aliada àquele jeito bem mineiro de contar histórias, o
que é um deleite, sobretudo, para quem é conterrâneo do autor.
A obra de Marcos Mota é para aquele leitor
que procura uma narrativa a um só tempo simples, linear, mas vigorosa e
inesquecível. É para quem gosta de histórias de superação. Para quem gosta de
ler as maravilhas do primeiro amor. Para quem curte causos de assombração. Para
quem acredita na transformação pela fé e pelo esforço. Para quem aprecia uma
literatura bem produzida e uma história bem contada.
E é por todas as qualidades aqui elencadas
que eu vou deixar uma sugestão que é quase um conselho: leiam este mineiro,
pois ele tem muito a dizer.
***
MOTA, Marcos. O Filho do Coveiro. Belo
Horizonte: Mou, 2015.
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