“Eu me aproximei do Lucas,
estreitando completamente a pouca distância que já existia. A respiração dele
batia na altura do meu peito. Meus lábios estavam secos e minha mão suava. ‘Se
eu pular, você pula comigo?’ O Lucas me olhou fundo nos olhos. ‘Sempre’ – ele
respondeu, sem titubear. O Lucas era valente. Eu precisava ser também.” (pág.
155)
Não é de agora que a arte, em suas mais diversas expressões, procura abordar a questão da homoafetividade, comumente de modo a proporcionar sobre ela um olhar mais tolerante e acolhedor. Mesmo atualmente, quando a sociedade estremece ao ver no horário nobre um beijo entre duas mulheres, a arte, subversiva como deve ser, não se deixa intimidar e segue expressando na dramaturgia, na pintura, na música, na literatura e afins a legitimidade das relações homossexuais, bem como a complexidade de vivenciá-las em uma sociedade com preconceitos ainda arraigados.
Neste primeiro semestre de 2016 – em tempos
de retrocesso e embate entre as pautas progressistas e conservadoras –, foi a
vez dos jovens Augusto Alvarenga e Vinícius Grossos brindarem os seus leitores
com uma história de amor já vivida ou testemunhada por qualquer pessoa. Sim,
porque 1+1: a matemática do amor se
dedica a contar uma história comum, mas não simples, e nessa história muito
conhecida nossa a grande aventura é o próprio amor entre os adolescentes Lucas
e Bernardo, amor esse com o qual eles precisam lidar ao mesmo tempo em que encaram
o inevitável distanciamento à espreita.
Desde o início da narrativa, salta aos olhos
do leitor algo de contato físico notoriamente incomum entre amigos do sexo masculino.
Assim, o que a princípio poderia se justificar com o fato de Lucas e Bernardo
serem amigos desde o nascimento acaba por se revelar como um amor que extrapola
as barreiras da simples amizade. Embora se trate de um sentimento latente desde
a mais tenra infância, é somente com a possibilidade de afastamento – que vem
com a partida da família de Bernardo para Portugal – que o recíproco sentimento
se revela para ambos.
Pode-se dizer que o contexto de 1+1 é, de modo geral, libertário. Embora
os conflitos existam – e devem existir, pois, caso contrário, não haveria estória
–, os mesmos são construídos de forma leve, revelando-se belíssima a decisão
por apresentar duas famílias acolhedoras e concentrar a questão da homofobia no
personagem Rodrigo. Tais escolhas deixam visível o objetivo de se contar uma estória
de amor, e não de ódio. A simplicidade da narrativa e as nobres emoções do
#lunardo, em conjunto com a trilha sonora – sim, o romance tem uma trilha
sonora – e o belíssimo projeto gráfico realizado pela Faro Editorial,
contribuem decisivamente para a leveza que faz de 1+1 uma história gostosa de ler, mas nunca em detrimento da
reflexão acerca de temas como autoaceitação e homofobia.
Os personagens centrais foram bem construídos,
de modo a refletir a realidade, mas sem generalizações. Lucas e Bernardo são
iguais na diferença. Vivem os mesmos dramas, mas com reações específicas. Se um
representa o gay mais sensível, mais emoção e com mais “pinta” (no que,
definitivamente, não há o menor problema), o outro é mais racional e, dada a
ausência de trejeitos, consegue transitar dentro do grupo de colegas
homofóbicos do colégio sem, a princípio, ser objeto de escárnio.
Os meninos Alvarenga e Grossos cometeram um
louvável acerto ao ambientarem a estória em uma cidade do interior. É óbvio que
a resistência aos homossexuais ou à relação homoafetiva propriamente dita, em
menor ou maior grau, está presente em qualquer lugar, e os autores,
naturalmente, o sabem. Não obstante, a opção dos autores por uma cidade
interiorana nada mais é que uma forma de comunicar ao leitor que o preconceito,
a intolerância, a homofobia são sintomas do atraso. Trata-se de uma metáfora em
meio a tantas outras encontradas ao longo da narrativa, em meio aos diálogos
dos personagens. Um bom exemplo é um trecho no qual, ao propor um programa que
fugia aos planos listados por Lucas para as férias, o personagem Bernardo
afirma: “Não há problema em sair da lista de vez em quando!” (p. 70). Mais à
diante, temos um momento no qual, após Lucas criticar a indumentária da tia –
uma mulher totalmente fora dos padrões que se incumbe de “mostrar o mundo” aos
jovens amigos –, o mesmo Bernardo afirma: “Admiro gente que assume o que gosta,
sem medo do que vão falar!” (p. 115). E assim, a cada página, a obra defende a
tolerância, o respeito e, sobretudo, o direito de ser o que é, mesmo que
fugindo aos padrões socialmente estabelecidos.
Mas, em meio aos tantos acertos que somam uma
maioria na obra, alguns erros também se fazem presentes, dentre os quais
podemos citar o beija-não-beija que chega a se tornar irritante. Muito embora
se compreenda a expectativa pretendida pelos autores ao longo de uma narrativa
que, cuidadosa, procura cativar o leitor, levando-o a ficar na torcida pelos
personagens, não dá para ignorar uma realidade atual na qual os adolescentes,
de modo geral, são significativamente mais “rápidos”, por assim dizer. Nesse
contexto, não me pareceu acertada a decisão dos autores por abrir mão de um momento
tão bonito e propício descrito entre as páginas 103 e 105 para deixar o beijo
para um final não assim tão belo. Ademais, a clássica estória de amor que termina
com um beijo talvez não fique assim tão bem ajustada em se tratando de dois
homens, mesmo que adolescentes.
Quanto ao final, por sua vez, ele também é
fruto de escolhas as quais não sei se foram as mais apropriadas. Explico: o
desfecho deixa no leitor a sensação de que Augusto e Vinícius estavam tão, mas
tão afetivamente ligados ao #lunardo que até mesmo para eles foi difícil encarar
a separação dos personagens. Tanto que optaram por encerrar a narrativa com uma
troca de correspondências e, como se não bastasse, com o anunciado reencontro
dos personagens em terras lusas. Ora, a vida é feita muito mais de desencontros,
e o distanciamento definitivo (ou quase) entre Lucas e Bernardo poderia ser uma
rica escolha ao pressupor que, com o distanciamento entre os jovens, viriam
novas experiências e o amadurecimento afetivo/sexual.
Enfim, são apenas provocações, valendo deixar
claro que nenhuma das críticas feitas anteriormente prejudica a obra em seu
todo. Repetindo o que disse há dois parágrafos, 1+1 é feito muito mais por acertos, e são esses acertos que fazem
dele uma obra fantástica e linda de viver. A árdua tarefa da escrita a quatro
mãos foi realizada com notável esmero e teve um resultado maravilhoso, fazendo
os jovens escritores repetirem, em termos de produção literária, o sucesso do
igualmente sensível Cartas Marcadas: uma
história de amor entre iguais, romance de Antonio Gil Neto e Edson Gabriel
Garcia com temática semelhante e também com o público infanto-juvenil como alvo
principal (mas não exclusivo). Não é à toa que, passados apenas vinte dias do
lançamento, 1+1 simplesmente esgotou
na própria Faro Editorial, que já trabalha em uma segunda edição. Os tempos são
sombrios, mas há muita gente acreditando no amor sem lhe impor os limites do
preconceito.
Feita a leitura do texto e havendo tido a
grata oportunidade de conhecer os autores durante o lançamento em Belo
Horizonte, fica a certeza de que Augusto Alvarenga e Vinícius Grossos
reproduziram em cada página de 1+1: a
matemática do amor toda a beleza que reside neles, valendo-se da literatura
para darem a sua doce contribuição na construção de um mundo mais tolerante, onde
as diferenças não nos tornem vitimas, mas, sim, pessoas mais felizes e
orgulhosas de ser o que são.
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